Brasil em Conserva
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As eleições brasileiras já acabaram, e talvez eu devesse me sentir mais à vontade pra falar do assunto do que realmente me sinto. Não sei, mas tenho a impressão de que, dessa vez, as coisas aconteceram de um modo um pouco diferente do que o de costume. Aliás, não acho que tenha sido “coisa de momento”, e tampouco acho que seja uma exclusividade brasileira: as pessoas estão ficando mais conservadoras, mais “endireitadas”. E eu vou tentar explicar, talvez pretensiosamente, por que eu não acho que isso seja bom.
Nunca votei em candidato algum, em nenhuma eleição até hoje. Sempre me vi descrente das propostas apresentadas, ainda mais quando percebia que aqueles que davam rostos às propostas eram basicamente os mesmos. Por isso, nas primeiras eleições em que pude “exercer a cidadania em sua plenitude” (uma mentira deslavada contada pela imprensa, que talvez mereça outro post), lá no longínquo ano de 2002, decidi por anular meus votos. Depois disso, mudei-me de cidade, e não transferi meu título de eleitor porque, no final das contas, iria acabar votando nulo novamente. No entanto, e de uma maneira aparentemente contraditória, sempre interessei-me por política.
Pode mesmo parecer contradição, mas eu nunca entendi como existiam pessoas (e são muitas!) que não queriam saber de política, e do que estava acontecendo no próprio país. Obviamente, essas mesmas pessoas em geral são as primeiras que reclamam do governo, ou que criticam um político, mesmo sem saber exatamente o porquê de fazerem isso. E quando vamos falar sobre política com elas, aquela velha máxima “Política não se discute!” vem à tona, e você de repente perde qualquer motivação para continuar conversando. Mas mesmo com toda essa minha “descrença-crente” com a política, nessas últimas eleições eu tive uma enorme vontade de votar.
Meu voto não iria para o Aécio. E no primeiro turno, provavelmente eu não votasse em nenhum dos candidatos, como sempre fiz. Mas no segundo turno, senti que eu não podia deixar de ajudar a Dilma a ser reeleita, mesmo que isso não necessariamente signifique que eu a apóie e concorde com tudo o que seu governo tem feito. Mas, usando uma outra velha máxima, “dos males, o menor”.
Considero-me uma pessoa com fortes tendências para as questões sociais. Não à toa defendo o Software Livre com empenho, porque acredito que se olharmos para todos, avançamos mais. Daí deriva minha antipatia pela maioria das causas individualistas, por acreditar que, apesar de ser totalmente plausível admitir que o ser humano é egoísta, não acho que devamos nos acomodar com essa constatação. E isso vai de encontro com o que o governo da Dilma (e o antigo governo do Lula) tem feito para o Brasil: avançar nas causas sociais. O crescimento que o país experimentou nos últimos anos foi, sim, muito perceptível para mim. E, quando tive a oportunidade de visitar o Nordeste brasileiro há alguns anos, pude ver que a situação por lá, apesar de ainda não ser a ideal, também melhorou bastante. Ou seja, o bolo finalmente está sendo dividido mais igualmente para todos, ainda que falte muito para que a divisão possa ser considerada boa.
Mas não foi só na área social que eu vi mudanças. Apesar de já estar nascido na época da inflação galopante da década de 1980, não tenho uma noção muito grande do que era viver naquela época. Eu era criança, e crianças não se preocupam com o preço das coisas. No entanto, lembro-me de que a vida, naquela época, não era fácil. O planejamento familiar era tarefa ingrata, porque como planejar se você não sabe o preço das coisas amanhã? E a desigualdade social era muito mais acentuada, porque (por exemplo) era impossível pensar em viajar de avião, mesmo para uma família de classe média (Europa, então, era outro mundo). Mas daí veio o plano Real, e as coisas melhoraram… E obviamente muito do crédito por essa melhora vai para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por sua política econômica que, pelo menos no começo do seu governo, conseguiu estabilizar as coisas de forma louvável. Mas, como pôde-se ver depois, Lula refinou a economia do antigo governo, e atrelou-a ao lado social, que por tanto tempo ficou esquecido.
Um outro argumento que ouço e vejo muito, principalmente por aqueles que são anti-petistas declarados, é o da corrupção. Confesso que não entendo o motivo desse ódio tão grande a apenas uma parcela do governo brasileiro (o PT não toma conta do Brasil, ao contrário do que muita gente insiste em dizer). Esquecem-se que denúncias de corrupção sempre existiram, em todos os nossos governos, e que é contra ela (a corrupção) que devemos lutar, ao invés de escolhermos um partido específico? Quando escolhemos um alvo, estamos, de certa forma, dando salvo-conduto para os outros que cometem o mesmo crime. Para mim, quando ouço um “argumento” desse tipo, a vontade de discutir cai exponencialmente.
Infelizmente, o argumento anti-petista passa por tantos outros absurdos (Venezuela, Cuba, bolivarianismo, comunismo), e é tão estúpido, que parece-me que a pré-condição para ser ouvinte dele é estar imerso na completa ignorância, principalmente a respeito desses termos. Se você souber o que é bolivarianismo ou comunismo, por exemplo, você já não pode ouvir o argumento, porque aí não vai acreditar nas conclusões. É algo tão impressionante e infantil que, novamente, fica difícil ter qualquer tipo de conversa com pessoas que repetem essas falácias como se fossem obviedades que estão aí, para qualquer um que queira vê-las.
Todo esse tipo de conversa, ao meu ver, leva a apenas uma conclusão: o conservadorismo está se alastrando no mundo. No Brasil, ele está tomando proporções perigosamente grandes. Às vezes penso qual seria a melhor maneira de combatê-lo: educar não me parece ser uma solução muito efetiva, ainda mais quando estamos falando de pessoas que possuem uma condição social mais favorável, e que julgam-se instruídas e informadas. Por enquanto, a solução tem sido ignorar o problema, o que também não vem surtindo efeitos práticos, haja visto a escalada dos conservadores nessas últimas eleições. Contraditoriamente, talvez a solução fosse parar de lutar e deixar a água correr. Parece-me às vezes que a humanidade precisa mesmo repetir seus erros de modo cíclico, para reaprender o motivo pelo qual eles já foram corrigidos outras vezes.